terça-feira, 5 de julho de 2011

O avanço imperialista do Sindicato Farquhar Imperialismo & Capitalismo

O avanço imperialista do Sindicato Farquhar Imperialismo & Capitalismo (Nilson Thomé)
Galera aproveitem este professor é um ícone sobre a Guerra do Contestado.

As relações capitalistas já existiam no Contestado no momento em que ocorre a Guerra do Contestado. Esta parte é dedicada à ruptura social e cultural, quando uma nova fase deste capitalismo, marcada pelo imperialismo e pelo monopólio, adentra com bastante força no então espaço livre do Contestado. Veremos que, ao olhar do opressor, a população cabocla é fadada ao desaparecimento, para viabilizar sua substituição por outra, de imigrantes-colonos, dos primeiros restando alguns sobreviventes. A limpeza da área foi radical. Foi uma guerra de extermínio. O rompimento das relações antigas de um espaço geográfico amplo e de um território livre deu-se quando os caboclos tiveram que conviver com a modernização do território, mediante a ação firme e resoluta do Estado intervencionista e de investimentos de capitais estrangeiros.

A construção da ferrovia, as madeireiras e a colonização estrangeira vêm modificar as relações sociais da comunidade cabocla com os invasores de seu território. O rompimento do mundo livre para um mundo de opressão, que começa com a pilhagem de suas terras e de seu território e termina com a intervenção sanguinária do braço armado de civis e militares, passando pelo controle do poder político, do deslocamento dos direitos individuais para a opressão do Estado, do deslocamento de idéias e vida próprias ao território livre para idéias e forças que vinham de fora e se instalaram como forças armadas no espaço dos caboclos.




6. 1 Avanço imperialista sobre o território Contestado



De origem canadense, o Trust of Toronto, responsável pela implantação dos trilhos da Companhia Estrada de Ferro São Paulo Rio Grande, da madeireira Southern Brazil Lumber and Colonization Company, da Companhia Frigorífica e Pastorial, e da colonizadora Brazil Development and Colonization Company, na Região do Contestado, foi o maior conglomerado multinacional que atuou no território brasileiro no início dos anos 1900. Neste contexto, a Brazil Railway Company era a “holding” do truste com sede nos EUA, mas sustentada por investidores europeus. Para entendê-la, precisamos reportar-nos à entrada no Brasil de empreendedores norte-americanos liderados por Percival Farquhar.

Não tendo vencido como queria nos meios empresariais de New York, o grupo econômico de Farquhar lançou suas empresas para além-fronteiras, atraído pelos incentivos e facilidades que diversos países ofereciam a quem investisse em setores de infra-estrutura, carentes de capital. A amplitude dos planos de Farquhar surpreendeu desde seus sócios até seus concorrentes e não demorou para que, mobilizando milhões de libras esterlinas e dólares, atingisse o México, a América Central, as Antilhas, o Peru, o Chile, a Bolívia, o Paraguai, o Uruguai, a Argentina e, finalmente, o Brasil.

A Brazil Railway Company, fundada a 9 de novembro de 1906, em Portland, Oregon (EUA), iniciou suas atividades no Brasil com planos ambiciosos. As primeiras “vítimas” foram as principais ferrovias do Sudeste e do Sul do Brasil, incluindo a Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande e, finalmente, a Madeira-Mamoré . Em 1916, quando o total das vias férreas em exploração no Brasil somavam 23.491 quilômetros, a Brazil Railway já dominava quase a metade, ou seja, 11.064 km. O trutes também investiu em empresas na Bahia e em terras e fazendas de criação de gado no Centro-Oeste e no Norte do país.

Só em terras, Farquhar chegou a amealhar em todo o Brasil, através das suas diversas empresas, mais de 250.000 km2, ou seja, quase três vezes a superfície total do Estado de Santa Catarina. As administrações das companhias ligadas ao Sindicato estavam confiadas a amigos pessoais de Percival Farquhar, que seguiam à risca a determinação de obter alto lucro, não importando os meios empregados. Se o dinheiro “corria solto” entre os administradores, advogados e autoridades subornadas, tal bonança não acontecia entre os acionistas, os investidores europeus, que haviam fornecido os capitais e que, gradativamente, começaram a ficar à margem dos lucros, assim com as fatias menores dos bolos. Tão logo passou a ser impontual nos pagamentos de dividendos e bonificações aos acionistas, o Sindicato permitiu que se levantassem dúvidas, confusões e descontentamentos, fatos nocivos ao crédito brasileiro no exterior. Abalados com a I Guerra Mundial, os investimentos de Farquhar sofreram seguidos reveses econômicos em todo o mundo.

A 18 de julho de 1917, a Brazil Railway Company e suas subsidiárias entraram em regime de concordata (mesmo sem homologação da justiça brasileira) e passaram a atuar sob gerenciamento de pessoas cujos mandatos não configuravam como legítimos. Servindo-se de pretextos fúteis, deixaram de atender aos compromissos assumidos, entrando em conflito público com os acionistas-debenturistas, permitindo que continuassem a circular os títulos de dívida, em condições desmoralizadoras para o crédito brasileiro.

O governo brasileiro só reagiu quarenta anos depois. Crítica, a situação chegou a tal ponto, que todos os bens, móveis e imóveis, direitos e obrigações da Brazil Railway e suas subsidiárias, foram incorporados ao patrimônio da União , englobando seus ativos e passivos, no maior ato de encampação até hoje promovido pelo Governo Federal.

A Região do Contestado não conhecia a força do imperialismo até a chegada dos trilhos da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande e até a instalação das serrarias da Southern Brazil Lumber & Colonization Company. Este fato, coincidindo com a época da deflagração da Guerra do Contestado, faz com que o período de 1913 a 1916 se imponha no tempo como um referencial da História do Contestado. Antes, aqui havia um território inexplorado, com o predomínio populacional do caboclo, tendo por atividades econômicas apenas a criação de gado bovino e a extração da erva-mate, além daquelas de subsistência própria, como pequenos cultivos agrícolas, poucas criações de suínos, alguns engenhos de serrar madeira e beneficiar erva-mate, a caça de animais selvagens e a coleta de frutos silvestres. Até esta época, poucas famílias de imigrantes (alemães, poloneses e ucranianos), trazidos pelo Paraná, haviam entrado na parte Setentrional do Contestado, no eixo Porto União-Canoinhas-Mafra-Papanduva-Itaiópolis, desenvolvendo a incipiente agricultura, a rudimentar indústria, e formando os primeiros povoamentos.

O aniquilamento da oposição cabocla aos grandes interesses nacionais (tráfego de trens, extração da madeira e assentamento de imigrantes), durante a Guerra do Contestado, a alto preço, traria os primeiros indicadores de progresso para a área, até então alheia ao estágio de desenvolvimento em que se encontravam outras regiões do País, algumas bem próximas, como a faixa litorânea deste Estado ou a de Curitiba e adjacências, no Paraná.

Sem contar os teutos e eslavos colocados no Norte da Região do Contestado pelo Paraná, ainda antes da Guerra do Contestado, a Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande tentou desenvolver o projeto de colonização das terras devolutas, próximas aos trilhos, no Vale do Rio do Peixe. Com algumas famílias alemãs e polonesas imigrantes, trazidas para a construção da ferrovia e desembarcadas em 1910-1912 em São Paulo, chegou a instalar núcleos perto das estações, como em Nova Galícia, Presidente Pena, Rio das Antas e Piratuba, no Vale do Rio do Peixe. O assédio hostil dos caboclos em 1914, entretanto, fez com que diversas tentativas fracassassem; os revoltosos atacaram a colônia de Rio das Antas e incendiaram as estações e casas nas colônias de Nova Galícia e Presidente Pena.

Como os fazendeiros eram muito influenciados pelo Governo do Paraná e este, por sua vez, tinha estreitas ligações econômicas com a EFSPRG e com a Lumber, eram os paranaenses quem, política e administrativamente, dominavam as terras do Planalto Norte e as situadas a Oeste do Rio do Peixe. O Estado de Santa Catarina preferia aguardar a solução para a disputa de limites, contentando-se em impor sua administração apenas até este rio, através de Curitibanos e Campos Novos e, até Canoinhas; por este motivo não realizava obras públicas em favor da população para desenvolver a região. O Paraná, por sua vez, não era tão desleixado e, a partir de Rio Negro, Porto União da Vitória e de Palmas, abriu estradas e concedeu títulos de propriedades de terras a dezenas de fazendeiros, na ânsia de consolidar o domínio do Rio do Peixe até a fronteira com a Argentina.



6. 2 Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande



A Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande – EFSPRG, já estava sob o controle acionário da Brazil Railway Company, em 1907, quando os trilhos do “trem de ferro” começaram a ser implantados no Vale do Rio do Peixe, rasgando verticalmente a Região do Contestado, no território disputado pelos Estados do Paraná e Santa Catarina.

O tempo histórico dessa ferrovia inicia por volta de 1885, quando um brasileiro voltou suas atenções ao item superficialmente mencionado nos planos de viação do Império: a possível implantação de uma ferrovia, que ligasse o Extremo-Sul do Brasil à Capital Federal, unindo, em linha vertical, o interior das províncias de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, todas elas até então apenas servidas por estradas de ferro longitudinais, cada qual fazendo a ligação do seu litoral ao interior, sem nenhum elo entre si. Esta ferrovia, em traçado paralelo e a Oeste da Estrada Real (Estrada das Tropas), deveria também possibilitar conexões com as linhas paraguaias, argentinas e uruguaias, próximas às fronteiras.

Como o Gabinete Imperial estava promovendo a colonização, estabelecendo imigrantes estrangeiros em áreas estratégicas de terras devolutas nacionais, espalhadas pelo interior do Sul do país, através de empresas especializadas, Teixeira Soares aventou a possibilidade de implantar uma “ferrovia colonizadora”, isto é, ela assentaria os trilhos e promoveria a colonização nos seus terrenos marginais, garantindo assim movimento de transporte para a estrada, ao mesmo tempo em que atendia os anseios governamentais de ocupação das terras incultas.

O levantamento preliminar topográfico indicou o possível roteiro: Itararé, Castro, Ponta Grossa, Rio Iguaçu, Rio Uruguai, Passo Fundo, Cruz Alta e Santa Maria, em perfil dos mais acidentados, numa extensão aproximada de 1.400 quilômetros. O traçado atravessaria territórios distintos. No Paraná, praticamente toda a região estava ocupada por fazendas de criação de gado e pequenas lavouras, com muitas pessoas instaladas na condição de sesmeiros ou de posseiros. Do Rio Iguaçu até passar o Rio Uruguai a maioria das terras eram nacionais devolutas, e, nas proximidades de Passo Fundo, voltava-se a encontrar sesmarias e posses.

A concessão fixava em 90 anos o prazo para a exploração da ferrovia e estabelecia a cessão gratuita de terrenos devolutos e nacionais, inclusive os compreendidos em sesmarias e posses, numa zona máxima de 30 quilômetros para cada lado das linhas, desde que a área total cedida e demarcada não viesse a exceder a média de uma faixa de nove quilômetros para cada lado da extensão total, a serem utilizados em colonização dentro de 50 anos. Concedia, ainda, direito de desapropriação e preferência para a lavra de minas na zona privilegiada. Era concedida à companhia a garantia de juros de 6% ao ano sobre o capital fixado e reconhecido pelo governo. Esta era a principal atração para os capitalistas europeus que, adquirindo ações da empresa, tinham garantida a rentabilidade mínima do investimento, independentemente dos seus resultados financeiros, no caso, aqui, sobre o montante de 37 mil contos de réis.

O Governo Provisório da República ratificou a concessão a 7 de abril de 1890, com duas ressalvas importantíssimas: reduziu a 15 quilômetros para cada lado da estrada o limite anterior de 30 km que determinava a zona máxima para a cessão de terras devolutas em cada margem, e deixou sem efeito as cláusulas com citações sobre a colonização destas terras. Ainda em 1890, a linha foi dividida em duas, sendo o trecho de Itararé a Cruz Alta transferido para a Companhia União Industrial do Brazil, ficando a Sud Ouest com o trecho de Cruz Alta a Santa Maria. Em seguida, Teixeira Soares fundou a Compagnie Chemins de Fer Sud Ouest Brésiliens, levantando o capital acionário inicial junto a investidores europeus, na Inglaterra e na França.

6.2.1 A Linha Sul no Contestado

Em 1888, os enviados do engenheiro Teixeira Soares, engenheiros, técnicos, topógrafos e exploradores, percorreram a vasta região interiorana das quatro províncias, buscando pontos referenciais para a elaboração de um primeiro traçado, quando, então, conheceram o Vale do Rio do Peixe. Toda a região, na qual fatalmente seriam assentados os trilhos, estava sob administração do Paraná, ainda que reclamada por Santa Catarina. A princípio, o traçado não foi estabelecido definitivamente, fixando-se apenas a diretriz Rio Iguaçu-Rio Uruguai. Partindo de Itararé, que era o ponto terminal da Estrada de Ferro Sorocabana e terminando no Rio Uruguai, dos 883 quilômetros até o Rio Grande do Sul, aproximadamente 380 pertenciam à travessia do Território Contestado.

Concluído o trecho de Ponta Grossa ao Rio Iguaçu, às vésperas da inauguração da Estação de Porto da União, entre o Governo Federal e a Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, em 1904 foi acordado o prazo de três anos para a construção do primeiro trecho, não inferior a 100 quilômetros, de Porto da União em direção ao Sul, optando-se definitivamente pelo traçado do Rio do Peixe.

Como em junho de 1907 venceria o prazo de três anos dado para a conclusão do primeiro trecho, até o Taquaral Liso, passando pela Serra de São Miguel e Campos de São João, a EFSPRG também pediu mais prazo para a construção do trecho de Taquaral Liso ao Rio Uruguai, pois entendeu que teria que alongá-lo à vista das muitas curvas no Alto Rio do Peixe. Este pedido de prorrogação, que tratava também da construção de outros ramais, foi acolhido, lavrando-se novo contrato entre a União e a EFSPRG a 17 de dezembro de 1907. Dentro das novas normas estabelecidas, foi decidido que a estrada deveria rumar para São Roque e, dali em diante, margear toda a extensão do Rio do Peixe, das cabeceiras à foz, sempre pelo lado esquerdo, ou seja, em terras dos municípios de Curitibanos e de Campos Novos, na área sob jurisdição do Estado de Santa Catarina.

Passados seis meses desde o contrato de 1907, os trabalhos prosseguiam de modo irregular, sendo baldados os esforços da fiscalização federal para conseguir da companhia uma profícua orientação nos múltiplos setores da construção. Vendo que dificilmente poderia cumprir o prazo, a direção da EFSPRG, então, contratou o engenheiro Achilles Stengel como novo Superintendente da obra, o qual instalou seu escritório central na Fazenda São Roque, em outubro de 1908.

À recomendação do governo brasileiro, para a EFSPRG acelerar a obra, a primeira medida da Brazil Railway Company foi instalar rapidamente uma serraria da Southern Brazil Lumber and Colonization Company em São Roque, destinada ao fornecimento de tábuas de madeira de pinho para as estações e armazéns e, de dormentes de imbuia para o assentamento dos trilhos, já que, até aquele momento, todos os dormentes e a madeira vinham de fora. A pedido de Achilles Stengel, a companhia passou a contratar mão-de-obra em todo o Brasil, prometendo salários compensadores, tendo atraído, até dezembro de 1908, nada menos do que mais quatro mil trabalhadores, distribuídos em seções, ao longo da extensão da linha.

Como os trabalhadores eram contratados em todo o território brasileiro, sem nenhuma legislação trabalhista a regulamentar o sistema contratual, sem registro de trabalho que garantisse vínculo empregatício, a mão-de-obra formada voluntariamente reuniu milhares de pessoas estranhas umas às outras, de todas as raças, credos, profissões e classes sociais. Para a região acorreram, ao lado de pais de famílias, de pessoas boas e honestas, outro tanto de maltrapilhos, vagabundos, aventureiros, ex-presidiários, desertores de milícias e até foragidos da justiça.

O contrato venceria em 17 de dezembro de 1910. No final de 1909, mantido o ritmo acelerado dos trabalhos no Vale do Rio do Peixe, antevia-se que a obra seria concluída no prazo. Mesmo assim, não adiantaria inaugurar o trecho, pois, no Rio Grande do Sul, a Compagnie Auxiliaire estava demorando a aprontar a linha entre Passo Fundo e o Rio Uruguai. Suas maiores dificuldades estavam nas acentuadas elevações próximas ao Rio Uruguai (na seção de Erechim, Gaurama, Viadutos e Marcelino Ramos). Com isso, a União determinou àquela empresa o aceleramento das obras e a imediata construção da ponte sobre o Rio Uruguai, o que veio a ser feito pelo engenheiro Antonio Rocha Meireles Leite.

Neste ponto da História, entendemos ser oportuna nova abordagem sobre a violência na Região do Contestado, pois, foi a partir deste momento que ela mais se revelou no Vale do Rio do Peixe. O assalto ao trem , associado a outros ataques caboclos à ferrovia, provocou forte reação da EFSPRG. Obrigou-se Stengel a organizar um Regimento de Segurança da própria companhia (que até então não existia), um corpo especial formado por algumas dezenas de elementos de confiança, para manter a ordem entre os trabalhadores e para defender não apenas os interesses da EFSPRG, como também os operários em casos de brigas, furtos e assaltos, notadamente em épocas de pagamento. Junto ao Governo, ao criar este corpo de segurança, justificou-se a companhia na inexistência da polícia na região, na falta de defesa a assaltantes e na necessidade de proteger o patrimônio e defender os trabalhadores dos ataques dos índios botocudos.

O destacamento do Corpo de Segurança - do qual veio a fazer parte Miguel Lucena de Boaventura (futuro Monge José Maria) - de aproximadamente 80 homens, montados e fortemente armados, garantia ordem quando podia, inclusive empregando a força. As condições de trabalho eram mínimas. As manifestações de protestos dos trabalhadores eram reprimidas severamente, da mesma forma como as brigas entre os operários que, volta-e-meia, aconteciam, resultando em mortos e feridos. Clandestinamente, os corpos dos mortos eram soterrados embaixo dos trilhos ou jogados nas águas do Rio do Peixe.

A “viagem inaugural” do trecho de Porto União da Vitória, no Paraná, a Marcelino Ramos, no Rio Grande do Sul, aconteceu entre os dias 16 e 17 de dezembro de 1910, quando uma composição, conduzindo os engenheiros e diretores da EFSPRG, mais o pessoal de fiscalização federal, passou sobre o Rio Uruguai na manhã do dia 17, no mesmo em que vencia o prazo estabelecido em 1907 para a construção de toda a linha.

Ainda no último bimestre de 1910, centenas de trabalhadores começaram a ser dispensados. No início de 1911, somente permaneceram nos canteiros aqueles considerados necessários para os trabalhos finais de acabamentos ao longo de todo o trecho. Dos cerca de oito mil homens, foram escolhidos em torno de dois mil para trabalharem na construção do Ramal de São Francisco que, naquele tempo, estava em obras entre Rio Negro e Canoinhas. A companhia estava animada, pois havia obtido concessão para estender os trilhos até o Paraguai, o que também era um alento aos operários dispensados na Linha Sul. Por causa disso, calcula-se que cerca de dois mil permaneceram nas proximidades do Rio do Peixe, enquanto que os restantes regressaram aos seus pontos de origem.


6.2.2 O Ramal de São Francisco

Na concessão original dada a Teixeira Soares (Decreto nº 10.432, de 9 de novembro de 1889), previa-se, além da Linha Sul, como viria a ser chamada a ferrovia de Itararé a Santa Maria, a construção de um “ramal” que, partindo da linha tronco, deveria atingir a Guarapuava (PR) e, dali, prolongar-se-ia às margens do Rio Paraná, em Foz do Iguaçu, na fronteira com o Paraguai. Entretanto, o decreto seguinte (Decreto nº 305, de 7 de abril de 1890), que tornou efetiva a concessão original, dela excluiu o trecho Guarapuava-Foz do Iguaçu, entendendo não ser oportuna a sua construção, mas manteve a concessão para o lote entre a linha tronco e Guarapuava. Mais tarde, a continuação do ramal foi novamente autorizada, determinando-se à companhia organizada por Teixeira Soares que a linha partisse de Guarapuava, para alcançar a margem esquerda do Rio Paraná, em local fronteiriço ao Porto de Itapocurupocu, no Paraguai.

Em 1901, o Governo Federal alterou e consolidou todas as cláusulas dos decretos anteriores, relativos às concessões à Companhia, EFSPRG assegurando-lhe a concessão para a construção de um ramal entre a linha tronco e o porto de São Francisco.

Para o ramal entre Porto União da Vitória e São Francisco do Sul - trecho depois escolhido – o Governo deu gozo à Companhia de cessão gratuita de terras devolutas e nacionais, em uma zona máxima de 15 km para cada da linha, contanto que a área total não excedesse ao que corresponderia à média de nove quilômetros para cada lado da extensão total, devendo utilizar estes terrenos dentro de 50 anos. E, além de dar à Companhia, também, a preferência para a lavra de minas na zona privilegiada, dava direito de desapropriação de terrenos de domínio particular, prédios e benfeitorias, que fossem precisos para sediar o leito da ferrovia, as estações e os armazéns.

Em junho de 1902, o Governo Federal promoveu a união dos dois ramais projetados e concedidos à EFSPRG, criando a “Estrada de Ferro São Francisco-Foz do Iguassú”, que cortaria a Linha Sul em Porto União da Vitória. Somente nos últimos meses de 1904 a Companhia iniciou a construção na zona litorânea, ali se envolvendo numa série de problemas que, inesperadamente, a colocou em dificuldades, tanto que, ainda em 1907, a seção não estava concluída. Além da insalubridade da zona pantanosa e da travessia do Canal do Linguado, a empresa alegava problemas com desapropriações de terras.

As terras – cobertas por pinhais - das margens esquerdas dos rios Negro e Iguaçu já estavam mapeadas pelo Truste de Toronto, em conluio com certos grupos paranaenses, para sediar a Southern Brazil Lumber and Colonization Company, madeireira que pertencia ao mesmo Sindicato Farquhar. Passando por esta zona, a ferrovia facilitaria o escoamento da produção da serraria, com instalação em Três Barras (local tido como pertencente ao Paraná).

Em 1910, os trabalhos avançavam na seção de Rio Negro a Três Barras, onde o Sindicato Farquhar estava implantando a grande serraria da Lumber Company. No ano seguinte, enquanto era entregue ao tráfego o trecho entre as estações de São Francisco e Hansa, os trilhos alcançaram Três Barras, assim proporcionando condições à Lumber para o escoamento da produção de madeira de pinho serrado, com o que a serraria entrou em operação já no início de 1912. A empresa norte-americana, entretanto, do Ramal de São Francisco, passou a utilizar apenas o trecho até Rio Negro; dali, suas cargas subiam para serem exportadas via Porto D. Pedro II e Porto de Paranaguá, no Paraná, Estado para o qual recolhia os impostos e creditava as estatísticas de produção e de exportação.

Para os trabalhos de derrubada da mata, destocamentos, cortes e aterros, construção de pontilhões e boeiros, erguimento de pontes provisórias, a EFSPRG utilizou cerca de dois mil trabalhadores brasileiros, quase todos remanescente das obras na Linha Sul – entre Porto União da Vitória e o Rio Uruguai – inaugurada em dezembro de 1910, além de muitos imigrantes poloneses. Estava em construção o trecho de Canoinhas a Porto União da Vitória, atravessando os rios Paciência e Timbó, quando foi deflagrada a Guerra do Contestado. Sem garantias das forças militares para sua defesa com medo de sofrer ataques, a EFSPRG suspendeu as obras, deixando os trabalhadores à mercê do destino. E o destino da grande maioria desta mão-de-obra, voluntariamente ou aliciada, foi acorrer aos redutos, juntando-se aos rebeldes.

Somente depois de encerrada a intervenção militar federal na Região do Contestado, foi que a EFSPRG reiniciou as obras entre Canoinhas e Porto União. Mas, a União tornou sem efeito a concessão de terras devolutas na faixa de até 30 quilômetros ao longo da linha São Francisco-Porto União da Vitória, direito este que havia sido dado pelo Governo Federal à Companhia em 1901. Desta forma, as terras devolutas marginais aos trilhos do Ramal de São Francisco não foram tituladas para a EFSPRG para exploração e colonização, como aconteceu no trecho de Porto União da Vitória ao Rio Uruguai, margeando o Rio do Peixe.

No dia 17 de setembro de 1917, coincidentemente logo após a homologação pelo Congresso Nacional das leis dos congressos legislativos estaduais, de aprovação do “Acordo de Limites Paraná-Santa Catarina” (assinado em 1916), mesmo em concordata , a Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande entregou ao tráfego o trecho de Canoinhas a Porto União da Vitória, assim dando por concluída - 13 anos depois - a ferrovia que ligou o Porto dos Ingleses, em São Francisco do Sul, a Porto União, com um total de 461 quilômetros.



6. 3 Southern Brazil Lumber & Colonization Company



Foi no ano de 1903 que a Companhia EFSPRG recebeu autorização do governo federal para explorar a madeira existente na chamada “zona privilegiada” de até 15 km. para lado da linha nas terras devolutas, além de naquelas que pudesse vir a adquirir junto aos terrenos marginais, para ser serrada em oficinas próprias. A abundância do pinheiro, da imbuia e outras espécies de madeira-da-lei na região, fez com que, em 1907, entrasse nos planos da empresa, recém incorporada pela Brazil Railway Company, a constituição de outra companhia, destinada à exploração madeireira e à colonização das terras.

Em 1909, o governo brasileiro autorizou o funcionamento no País da Southern Brazil Lumber and Colonization Company, empresa organizada pelo Truste de Toronto em Miami (EUA) com capital inicial de apenas 100 mil dólares norte-americanos, destinada à exploração da riqueza vegetal e na colonização das terras dos vales dos rios do Peixe, Iguaçu, Negro, Timbó, Paciência e Canoinhas, sem levar em conta que a jurisdição administrativa sobre a área estava em litígio entre os Estados do Paraná e de Santa Catarina.

Em poucos meses, a Lumber Company veio a adquirir um total de 3.248 quilômetros quadrados de terras, ao Sul dos rios Negro e Iguaçu, escolhidas aquelas onde o pinheiro (araucária) despontava em grande escala, sendo 1.800 km² na região de Três Barras, 517 km² na região entre Porto União da Vitória e a Serra da Taquara Verde e 931 km² de áreas menores em diversos pontos próximos às duas glebas maiores, todas elas, segundo a empresa, localizadas no Paraná e não em Santa Catarina.

Segundo os levantamentos preliminares, existiriam nestas áreas adquiridas cerca de quatro milhões de pinheiros e dois milhões de imbuias, cedros e canelas, grande parte das árvores com um metro de diâmetro e até 30 metros de altura. Por tudo isso, a Lumber desembolsou apenas 4.872.000$000, quantia insignificante na época diante da grandiosidade do empreendimento e da riqueza vegetal que, mais tarde, revelaria a existência real de mais milhões de árvores, além daquelas antes citadas.

Nesta área existiam instaladas muitas fazendas de criação de gado e de culturas agrícolas diversas, carijos, barbaquás e engenhos de erva-mate, nas mãos de “coronéis” da Guarda Nacional, ricos fazendeiros e influentes políticos. Entre as propriedades, ainda havia muitos quilômetros quadrados de terras devolutas, ocupadas por posseiros que não tinham títulos plenos de posse e domínio. A Lumber escolheu as melhores porções de mata nativa, sendo que, além de adquirir terras cobertas, que por si só seriam suficientes para sua exploração, firmou diversos contratos com fazendeiros regionais, pelos quais se comprometia a serrar e tirar os pinheiros dos campos, para livrá-los das grimpas e favorecer as pastagens.

A primeira unidade industrial da Lumber foi instalada junto à Fazenda São Roque (na época no município paranaense de Porto União da Vitória, hoje na cidade catarinense de Calmon). Era uma serraria de porte médio, destinada a serrar imbuias para servir a EFSPRG com dormentes para a Linha Sul e pinheiros para as necessárias tábuas às estações ferroviárias e armazéns. Em Três Barras, logo depois, entre 1910 e 1912, com equipamentos trazidos diretamente da Europa, do Canadá e dos Estados Unidos, montou-se uma grande serraria, abrigada em diversos pavilhões, com várias serras-fitas, circulares de aço resistente, de até dois metros de diâmetro, que possibilitavam o desdobramento de qualquer tora, automatizadas, com capacidade para serrar, num período normal de dez horas de trabalho diário cerca de 300 metros cúbicos de madeira, obtendo um rendimento médio de 19 tábuas de 12 polegadas por 5,60 metros de comprimento, mais o aproveitamento, totalizando mil dúzias de madeiras de diversas medidas .

Como não houve problemas de dinheiro para a montagem deste colossal empreendimento em Três Barras, tudo foi possível se fazer na Lumber, a começar pelo corte dos pinheiros, a extração, o transporte até a serra, o desdobramento, o depósito e a exportação das madeiras serradas. Foi construída uma linha férrea particular que, partindo da serraria, em direção a Papanduva, chegou a ter 32 km de extensão por entre os pinhais. Servidas por duas locomotivas pequenas, tracionadas em seis rodas, as composições usavam os carros-plataformas com capacidade para 36 toneladas de carga, sendo que, em cada um, cabiam em média três toras. As composições que iam mato-a-dentro coletar as toras eram equipadas com possantes guinchos, movidos a vapor comprimido, armazenado em tanques especiais. Era utilizada também uma locomotiva a vapor, sem caldeira. Os guinchos lançavam cabos de aço até a 300 metros de distância, assim podendo recolher e carregar nos vagões as toras abatidas e depositadas numa área de 90 mil m² em cada parada. De volta à serraria, as composições eram descarregadas num pátio e, dali, as toras eram transportadas por esteiras mecânicas, até às serras-fitas, onde eram serradas em tábuas, classificadas e conduzidas ao depósito para aguardo de embarque. O transporte da madeira aos portos de Antonina e Paranaguá, no Paraná, e no Porto de São Francisco, em Santa Catarina, fazia-se pelos trens da EFSPRG e da própria Lumber. Uma bateria de caldeiras a vapor movia quatro geradores, que totalizavam 2.275 HP. de força, suficientes para as máquinas de serrar, para a fábrica de barricas, fábrica de gelo, fábrica de compensados e, a seguir, para a luz elétrica na sede.

Demarcadas as terras contestadas facilmente adquiridas e escrituradas no Paraná, a Lumber Company promoveu a expulsão dos caboclos que nelas moravam ou nelas exploravam a erva-mate. Como só se interessava pela madeira, arrendou seus ervais a fazendeiros das redondezas, simpáticos à causa paranaense na Questão de Limites. Os moradores, todos antigos posseiros, nunca dantes incomodados, em vão tentaram argüir usucapião. Relutando em sair, contra eles a empresa lançou seu corpo de guarda, que contava também com a participação de seguranças “cow-boys” vindos dos Estados Unidos.

Logo nos seus primeiros anos de funcionamento, a Lumber Company envolveu-se diretamente na Guerra do Contestado. Pelo volume da produção diária declarada, por informações e estimativas, calcula-se que nos seus 40 anos de funcionamento a madeireira deve ter cortado mais de 15 milhões de pinheiros na Região do Contestado, além de imbuias, cedros, canelas e perobas. A agressão não era apenas ao meio-ambiente natural, mas também ao elemento humano que habitava as matas: o caboclo. A devastação se dava sob o olhar sorrateiro dos caboclos, que tinham na araucária uma das maiores dádivas da natureza: o pinhão, seu fruto, alimento indispensável para os animais selvagens e para si mesmo.

A partir de junho de 1914, suas instalações em Calmon e em Três Barras passaram a ser guarnecidas por tropas do Regimento de Segurança do Paraná e do Exército Brasileiro e por piquetes civis. Guarda insuficiente, pois, a 5 de setembro de 1914, os caboclos atacaram a serraria de Calmon, destruindo-a totalmente.

A grande serraria da Companhia Lumber ardeu totalmente. Os grandes empilhamentos de pinho já beneficiado, abrangendo uma área enorme, em poucas horas de transformaram em cinzeiros. Os galpões dos machinismos, no dia imediato, eram esteios carbonizados em meio da vasta praça onde as engrenagens, contorcidas pelo calor do fogaréu, se destacam como esqueletos de engenhos (PEIXOTO, 1916, p. 232).

A partir de 1917, quando a empresa entrou em plena fase de produção em Três Barras e resolvida a questão de limites, a madeira começou a ter peso maior nas exportações catarinenses; o volume da produção veio dar maior contribuição após 1920, com a entrada em funcionamento das serrarias instaladas ao longo da ferrovia . É neste momento que o Brasil deixou de importar madeira, passando a abastecer-se na Floresta da Araucária. Aproveitando os planos catarinenses de incentivo à colonização da Região do Contestado, após o Distrito de Três Barras ser anexado a Santa Catarina, enquanto questionava com o governo catarinense a titularidade das terras dadas pelo Paraná ao Sindicato Farquhar por conta da construção da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, a Lumber Company ampliou seu raio de ação em busca de matéria-prima.

A Lumber Company era madeireira e colonizadora. Assim, nos primeiros anos da década de 1930, subdividia as áreas de onde já havia retirado o melhor da cobertura vegetal, para vender os lotes aos imigrantes que chegavam à região, bem como aos caboclos remanescentes da Guerra do Contestado. Por volta de 1935, a empresa iniciou a repartição das áreas onde já havia retirado madeira, em lotes coloniais de 10 a 20 alqueires cada, para vendê-los a imigrantes. Algumas terras, ainda cobertas por pinhais, também eram vendidas, mas, nestas, ela reservava a melhor parte das árvores.

Em 1940, o governo federal desapropriou todos os bens da Lumber e vinculou a empresa à Superintendência das Empresas Incorporadas ao Patrimônio Nacional, que foi desativando e a dilapidando gradualmente até 1948. Pela Lei nº 253, de 18 de fevereiro de 1948, do Presidente Eurico Gaspar Dutra, a Superintendência foi autorizada a vender, mediante concorrência pública, o que sobrou da Lumber Company, mais a Empresa de Armazéns Frigoríficos e a Companhia Indústrias de Papel – todas do antigo Sindicato Farquhar - abrindo um crédito especial de dois milhões de libras esterlinas (na época equivalente a 151 milhões de cruzeiros), para a liquidação do saldo das dívidas destas empresas com seus acionistas ingleses.
Postado por Nilson Thomé às Sábado, Fevereiro 14, 2009

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